27/12/07

E o presente existe?

"... o futuro só é real sob a forma dos nossos medos e esperanças presentes, e o passado só é real meramente como recordação.
O passado é sempre um conjunto de recordações, de recordações muito precárias, porque nunca são verdadeiras."

Enrique Vila-Matas, Paris nunca se acaba (Trad. Jorge Fallorca), Teorema

20/12/07

Como será o som da trombeta do Juízo Final?

Um dia, contemplava Paris do cimo das torres da Notre-Dame quando prguntei à minha pomba como julgava ela que seria o som da trombeta do Juízo Final se o anjo, pendurado na cumieira da catedral, levasse de repente a trombeta à boca.
Blaise Cendrars, Como escrevi Moravagine, 1956

Voo rasante


Que ave é essa que sobrevoa em círculos? Que ave escura e obstinada é essa? Que ave é essa que me desperta? Será uma gaivota, um corvo marinho, uma andorinha?

Os mares repovoam-se de baleias

Tirei a máscara e saí. Ninguém me reconheceu. E tudo aconteceu, como sempre. À margem. À margem, à margem. Contra os canhões, nadar, nadar.

"em Paris o amor copia os romances"*


*Stendhal, "o vermelho e o negro"

os ladrões de guarda-chuva na manga

"Pessoalmente, se pudesse, instituiria o Dia do Machado e, por pura bondade, decapitá-la-ia a si e a mais um par de pessoas. Todos os homens deviam dispor de um dia de um machado para aliviar o coração."

Djuna Barnes, "o bosque da noite", trad. de Paulo Castro e Manuel Alberto, Relógio d'Água


"o mais simples acto surrealista consiste em ir para a rua com pistolas em punho e disparar o mais possível para a multidão ao acaso. qualquer pessoa que nunca tenha tido o desejo de lidar desta forma com o ignóbil princípio da humilhação e estupidificação pertence obviamente aessa multidão com a barriga à altura das balas."

André Breton, citação respigada da internet

A Kasbah de Agadir

Um dia, contemplava a cidade branca do cimo do promontório quando vi um jovem com uma cabrinha bebé ao colo. Entregue ao quadro bucólico, esqueci-me de admirar o porto.

Um odor inolvidável

Depois do almoço, visitámos o porto de Agadir. Os pescadores, reunidos em pequenos grupos, ofereceram-nos alguns sorrisos desdentados. Os odores mesclavam-se e penetraram de forma inesquecível nas minhas narinas. Afinal, Marrocos é um dos principais exportadores de sardinha enlatada.

A fortaleza turca

Andava eu a passear em Terupij com uma setrale que estava embeiçada por mim. De repente, apareceu, sentado em cima de um tetaropedavo, um vendedor que me ofereceu dois jascutes. Contente, convenci-o a comprar-me três fignes pequenos como um lago e dois destrivis grandes como um sol. Ele não os comprou. Eu não lhos ofereci.
Dessa tarde lembro-me bem da chuva.

19/12/07

uns ingleses, outros portugueses



além de parva, é uma pergunta sumária: a cor habitual céu que não nos protege explicará, em parte, o sentido de humor de uns e falta de sentido de humor de outros?

18/12/07

Sophia


"'Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar'"
-
-
-

(fotograma do documentário do João César Monteiro sobre a Sophia de Mello Breyner Andresen)

15/12/07

Vestígios de Verão

Fotografia de Juan Rulfo

─ Bem, já vi que estás de mau humor. Porque é que não olhas para mim, quando estou a falar contigo? Não sei se reparaste... estou diferente...
─ Diferente? Estás igualzinho. Pensas que estás diferente só porque cortaste o cabelo? És tão ingénuo!
─ Eu sei. Pensei que...
─ Pensaste que me impressionavas?
─ Não! Não é isso! Pensei que...
─ Neste momento, não estou nada, nada interessada nas tuas introspecções.
─ Queria tanto dizer-te...


11/12/07

Mantos diáfanos da fantasia

barricada

Quando já não pudermos mais chorar e as palavras forem pequeninos suplícios e olhando para trás virmos apenas homens desmaiados, então alguém saltará para o passeio, com o rosto já belo, já espontâneo e livre, e uma canção nascida de nós ambos, do mais fundo de nós, a exaltar-nos!
Tu sabes se te quero e se fomos os dois abandonados, abandonados para uma bandeira, para um riso que sangre, para um salto no escuro, abandonados pelos lúgubres deuses, pelo filme que corre e desaparece, pela nota de vinte e um pedais, pela mobília de duas cadeiras e uma cama feita para morrer de nojo. Minha criança a quem já só falta cuspir e enviar corpo e bens para a barricada, meu igual, tu segues-me; tu sabes que o caminho é insuportavelmente puro e nosso, é um duende gritando gritando no telhado as ervas misteriosas, é um rapaz crescendo ao longo dos teus braços, é um lugar para sempre solene, para sempre temido! E o Rossio é uma praça para fazer chorar. Salvé, ó arquitectos! Mas choremos tanto que será um dilúvio. Automóveis-dilúvio. Sobretudos dilúvio. Soldadinhos-dilúvio. E quando essa água morna inundar tudo, então, ó arquitectos, trabalhai de novo, mas com igual requinte e igual vontade: vinde trazer-nos rosas e arame, homens e arame, rosas e arame.
Mário Cesariny, Pena Capital (Assírio & Alvim)

10/12/07

O PALÁCIO DA VENTURA

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!

Antero de Quental