20/08/10

das nuvens brancas, leves e minúsculas no céu azul

- Não sei, - gritei sem proferir um som, - realmente não sei. Se não vem ninguém, então não vem ninguém. Eu não fiz mal a ninguém, ninguém me fez mal a mim, mas ninguém me vai ajudar. Um punhado de ninguéns. Mas não é exactamente assim. Apenas ninguém me ajuda, de outro modo um grupo de ninguéns seria até bem-vindo; eu sem dúvida preferiria ir numa excursão com um grupo de ninguéns (o que é que acham?) às montanhas, claro, onde é que havia de ser? Olhem para esses ninguéns, empurrando-se uns aos outros, os pés separados por passos minúsculos! É desnecessário dizer que todos vestem sobrecasacas. Caminhamos tão felizes, um vento agradável assobia por entre os espaços dos nossos corpos e membros. Nas montanhas as nossas gargantas tornam-se livres. É de admirar que não comecemos a cantar.

Franz Kafka, Descrição de uma luta (Trad. Isabel Risques e Ana Sofia Nobre), Coisas de Ler, 2004

"A lua soltou-se ontem à noite"

Entre as partes ornamentais da obra, nada há de tão belo como a lua, e nada está tão acabado como ela. É pena que não tivesse ficado bem presa! Se a pudéssemos recuperar…
Mas como adivinhar onde caiu? Quem a encontrar vai, com certeza, ficar com ela. Desconfio que eu faria o mesmo. […]
Sinto uma verdadeira paixão pelas coisas belas. Dadas as circunstâncias, seria perigoso que me confiassem uma lua pertencente a outra pessoa, se essa pessoa ignorasse que a lua estava em meu poder.
De dia e com sol, eu devolveria uma lua que tivesse encontrado perdida, com medo que alguém me visse. Mas se a encontrasse de noite, inventaria desculpas para não a devolver, e ocultaria a minha descoberta ao resto do mundo.
São tão lindas e românticas as luas!
Se tivéssemos cinco ou seis, eu nunca entraria no meu quarto e passaria as noites debaixo de uma árvore a contemplá-las.
Também gosto de estrelas. Queria poder agarrar algumas para pôr no cabelo.
Mark Twain, O Diário de Adão e Eva (Trad. Ana César Rodrigues), Coisas de Ler, 2003