Senhor Ministro
Dogníssima assistência
Não há nada a exaltar, nada a condenar, nada a acusar, mas há muitas coisas risíveis, tudo é risível quando se pensa na morte.
Atravessa-se a vida, recebem-se impressões, não se recebem impressões, atravessa-se a cena, tudo é intercambiável, recebe-se uma formação mais ou menos boa no armazém de acessórios: grande erro! Percebe-se: um povo que não suspeita de nada, um país formoso - o dos pais mortos ou conscienciosamente sem consciência, dos homens com a simplicidade e a baixeza, a pobreza das suas necessidades.
Tudo é pré-história altamente filosófica e insuportável.
Os séculos são pobres de espírito, o demoníaco em nós é a prisão perpétua do país dos pais onde as componentes idiotia e brutalidade mais intransigente se tornaram quotidiana necessidade. O estado é uma estrutura permanentemente condenada ao fracasso, o povo uma estrutura sempre condenada à infância e à fraqueza de espírito. A vida é o desespero em que se apoiam as filosofias, em que tudo, finalmente, está prometido à demência.
Somos austríacos, somos apáticos, somos a vida como indiferença, vulgarmente compartilhada, perante a vida; somos no processo da natureza, a loucura das grandezas, o sentido da loucura das grandezas como futuro.
Não há nada a dizer, a não ser que somos lamentáveis, sucumbimos por imaginação a uma espécie de monotonia filosófica-económica-mecânica.
Instrumentos da decadência, criaturas da agonia, tudo se torna claro para nós, não compreendemos nada. Povoamos um traumatismo, temos medo, temos todo o direito a ter medo, e em última análise avistamos já, por muito indiferente que as suas formas nos apareçam, os gigantes da angústia.
Aquilo que pensamos já foi pensado, o que sentimos é caótico, o que somos é obscuro.
Não há que ter vergonha: não somos nada e só merecemos o caos.
Muito obrigado.
Thomas Bernhard, "Trevas", trad. Ernesto Sampaio, Hiena