24/07/09

um mover de lábios...

No dia seguinte, ao meio-dia, a criada de quarto de Sacha traz-me uma resposta: "Estou muito contente venha hoje cá a casa por favor sen falta vou esperá-lo. A sua S." Esta falta de pontuação, o errozinho no "sem falta", toda a carta, até o envelope comprido que a continha, encheram-me a alma de enternecimento. Na letra espaçosa mas tímida reconheci o andar de Sacha, o seu jeito de erguer muito as sobrancelhas quando ria, o seu mover de lábios...
Anton Tchékhov, O Amor, in Contos de Tchékhov, Volume I, (Trad. Nina Guerra e Filipe Guerra), Relógio D'Água

06/07/09

uma turrinha e um ço na cintura

"Se restasse ainda qualquer vestígio gelado de indiferença para comigo, no peito do pagão, esta agradável sessão de fumo promoveu o rápido degelo e ficámos camaradas. Parecia que ele também se deixara envolver, em relação a mim, pelos laços de uma amizade tão natural e espontânea como aquela que eu lhe dedicava; e, quando acabámos de fumar, encostou a testa à minha e passando o braço em volta da minha cintura afirmou que a partir desse momento estávamos casados, o que no falar do seu país significava que éramos amigos íntimos. Estava disposto a morrer por mim, de boa vontade, se necessário. Entre gente civilizada esta súbita chama de amizade pareceria por demais prematura, coisa mesmo de despertar suspeitas; mas com aquele selvagem simples, semelhantes regras não tinham utilidade."

Herman Melville, "Moby Dick", Relógio d'Água", trad. Alfredo Margarido e Daniel Gonçalves