08/03/09

partir est mourir un peu

"Conforme estamos juntos ou afastados, assim te conheço de duas maneiras diferentes. Tu és duas pessoas.
Quando estás longe, continuas presente em mim. É uma presença que reveste as formas mais diversas: imagens incontáveis, passagens de livros, significações, coisas familiares, marcas na terra; mas o conjunto de tudo isso fica difuso pela realidade da tua ausência. É como se o teu ser se transformasse em lugar, os contornos do teu corpo em horizontes. Vivi portanto em ti como se vivesse num país. Tu existes em todo o lado. Nesse país, contudo, nunca te poderei encontrar face a face.
Partir est mourir un peu. Era muito novo quando ouvi esta frase pela primeira vez e logo percebi que ela exprimia uma verdade que eu já sentia. Recordo-a agora, porque a experiência de viver em ti como num país onde é impossível encontrarmo-nos face a face parece-se com a experiência de viver com a recordação dos mortos. O que eu não sabia quando era novo é que nada elimina o passado: o passado vai crescendo gradualmente à nossa volta como placenta da morte.
No país que tu és conheço os teus gestos, as entoações da tua voz, a forma de todas as partes do teu corpo. Fisicamente: não és menos real mas és sem dúvida menos livre.
O que muda quando estás presente em carne e osso, é o facto de te tornares imprevisível. Cada gesto que faças é-me desconhecido. Sigo-te. Tu ages. E no que fazes, vejo-me de novo enamorado."

John Berger, "e os nossos rostos, meu amor, fugazes como fotografias", quasi