12/04/08

Duas formas de dizer

"Quando o público soube que os estudantes de Lisboa, nos intervalo de dizer obscenidades às senhoras que passam, estavam empenhados em moralizar toda a gente, teve uma exclamação de impaciência. Sim – exactamente a exclamação que acaba de escapar ao leitor...
Ser novo é não ser velho. Ser velho é ter opiniões. Ser novo é não querer saber de opiniões para nada. Ser novo é deixar os outros ir em paz para o Diabo com as opiniões que têm, boas ou más - boas ou más, que a gente nunca sabe com qual é que vai para o Diabo.
Os moços da vida das escolas intrometem-se com os escritores que não passam pela mesma razão porque se intrometem com as senhoras que passam. Se não sabem a razão antes de lha dizer, também a não saberiam depois. Se a pudessem saber, não se intrometeriam nem com as senhoras nem com os escritores.
Bolas para a gente ter que aturar isto! Ó meninos: estudem, divirtam-se e calem-se. [...] Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra. Tudo está certo, porque não passa do corpo de quem se diverte [...].
Porque só há duas maneiras de se ter razão. Uma é calar-se, que é a que convém aos novos. A outra é contradizer-se, mas só alguém de mais idade a pode cometer.
Tudo o mais é uma grande maçada para quem está presente por acaso. E a sociedade em que nascemos é o lugar onde mais por acaso estamos presentes. "

Álvaro de Campos, Aviso por causa da moral *
in Fernando Pessoa, Aviso por causa da moral e outros textos de intervenção de Álvaro de Campos, Editorial Nova Ática
* Manifesto distribuído por ocasião de uma exigência feita por estudantes universitários de Lisboa no sentido de serem apreendidas as Canções de António Botto.

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