27/07/08

Tu não te lembras?

‒ Isso aconteceu em Setembro. Não em Setembro deste ano mas sim do ano passado. Ou foi no ano anterior, Melitón?
‒ Não, foi no ano passado.
‒ Sim, eu bem me lembrava. Foi em Setembro do ano passado, pelo dia vinte e um. Ouve-me, Melitón, não foi a vinte e um de Setembro o dia do tremor de terra?
‒ Foi um pouco antes. Quer-me parecer que foi a dezoito.
‒ Tens razão. Eu por esses dias andava em Tuxcacuesco. Até vi quando se desmoronavam as casas como se fossem feitas de mel, simplesmente, retorciam-se assim, fazendo trejeitos, e vinham as paredes inteiras para o chão. E as pessoas saíam dos escombros todas aterrorizadas, correndo direitinhas para a igreja aos gritos. Mas esperem. Ouve, Melitón, parece-me que em Tuxcacuesco não existe nenhuma igreja. Tu não te lembras?
‒ Não há. Ali não restam senão umas paredes feitas em quatro bocados que dizem que foi a igreja há coisa de duzentos anos; mas ninguém se lembra dela, nem de como era; aquilo mais parece um curral abandonado infestado de figueirinhas.
‒ Dizes bem. Então não foi em Tuxcacuesco que me apanhou o tremor de terra, deve ter sido em El Pochote. Mas El Pochote é um rancho, não é?


Juan Rulfo, O dia do desmoranamento, in A Planície em Chamas (Trad. Ana Santos), cavalo de ferro

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