17/09/08

SubLinhAdOs*

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“Em última análise”, escreveu Kafka em 1904 ao seu amigo Oskar PollaK, “parece-me que devíamos ler apenas livros que nos mordam e firam. Se o livro que estivermos a ler não nos desperta violentamente como uma pancada na cabeça, para que nos devemos dar ao trabalho de o ler, como tu dizes? Por Deus, seríamos igualmente felizes sem livros nenhuns; em caso de necessidade, podíamos nós próprios escrever livros que nos tornassem felizes. Do que precisamos é de livros que nos atinjam como a desgraça mais dolorosa, como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós próprios, que nos façam sentir como se tivéssemos sido expulsos para o meio dos montes, longe de qualquer presença humana, como um suicídio. Um livro tem de ser a picareta para o mar gelado dentro de nós. É isso que penso.”

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No século XVIII, embora os quartos continuassem a não ser espaços de reclusão, ficar na cama a ler – em Paris, pelo menos – tornara-se suficientemente comum para justificar que São João Baptista de la Salle, o pedagogo e filantropo francês canonizado em 1900, chamasse a atenção para os perigos pecaminosos deste passatempo ocioso. “É completamente indecente e impróprio tagarelar, coscuvilhar ou foliar na cama” escreveu em As regras do Decoro na Civilidade Cristã, publicado em 1703. “Não imiteis certas pessoas que se entregam à leitura e outras actividades; não permaneçais na cama, a não ser que seja para dormir, e a vossa virtude muito aproveitará.”
Alberto Manguel, Uma História da Leitura (trad. Ana saldanha), Editorial Presença

* Falta a aba do chapéu do A, pois sim?


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