11/10/08

o perfeito pulsar irregular das frases

"O velho dar e receber intergeracional do país de antanho, quando todos sabiam o que tinham a fazer e aceitavam as regras com toda a seriedade, o avançar e recuar aculturante com que todos nós havíamos crescido, a luta ritual pós-imigrante pelo sucesso acabando em algo de patológico no castelo do gentleman farmer, logo aí, do nosso supervulgar Sueco. Um tipo todo arrumadinho como um baralho de cartas e, ao fiam e ao cabo, as coisas a desenrolarem-se de uma maneira totalmente diferente. De modo algum preparado para o que lhe iria cair em cima. Como é que ele alguma vez podia, como toda aquela bondade cuidadosamente calibrada saber que a aposta de viver obedientemente era tão alta? Assume-se a obediência para fazer baixar a aposta. Uma bela vida. Uma bela casa. Dirige o negócio que nem uma maravilha. Gere muito bem a sua velhice. Estava realmente a viver a sua versão do paraíso. É assim que vivem as pessoas de sucesso. São bons cidadãos. Sentem-se com sorte. Sentem-se gratos. Deus sorri-lhes. Quando há problemas, adaptam-se. E de repente tudo muda e torna-se impossível. Já nada sorri a ninguém. E quem é, então, capaz de se adaptar? Aqui temos alguém que não está preparado para suportar uma vida medíocre, quanto mais o impossível! Mas quem é que está preparado para o impossível que vai acontecer? Quem está preparado para a tragédia e para a incompreensão do sofrimento? Ninguém. A tragédia do homem que não está preparado para a tragédia - é esta a tragédia de todos os homens."


Philip Roth, "Pastoral Americana", trad. Maria João Delgado e Luísa Feijó, D. Quixote

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