19/01/09

náufragos exaustos

Quando somos sensíveis, quando os nossos poros não estão cobertos pelas capas implacáveis, a proximidade da presença humana sacode-nos, dá-nos alento, compreendemos que é sempre o outro que nos salva. […] Muitas vezes, somos incapazes de um genuíno encontro porque só reconhecemos os outros na medida em que definem o nosso ser e o nosso modo de sentir, ou porque são propícios aos nossos projectos. Não podemos ficar num encontro porque estamos cheios de trabalho, de coisas para tratar, de ambições. E porque a magnitude da cidade nos supera. Então, o outro ser humano não nos chega, não o vemos. Está mais ao nosso alcance um desconhecido com quem falamos através do computador. Na rua, no trabalho, nos infinitos expedientes, sabemos – abstractamente – que estamos a lidar com seres humanos, mas, concretamente, tratamos os outros como se fossem servidores informáticos ou funcionais. Não vivemos esta relação de um modo afectivo, é como se tivéssemos uma capa de protecção contra os acontecimentos “desviantes” da atenção. Os outros incomodam-nos, fazem-nos perder tempo. O que deixa o homem espantosamente só, como se no meio de tantas pessoas, ou por isso mesmo, o autismo se propagasse.
Ernesto Sabato, Resistir (trad. Carlos Aboim de Brito), Dom Quixote

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