23/01/09

O lirismo do alfabeto

Sinto-me arrebatado pelas letras,
atacam-me, cegas, de noite,
invadem-me:
cercam-me durante o dia,
tomando-me de assalto os olhos,
arrancando-me o sono e projectando-o
da sombra para a luz,
da luz para a sombra, inexoravelmente.
Guerra sem fim e sem quartel,
mortal e alegre a cada instante.
Rimbaud deu cores às vogais,
mas cada letra - todo o alfabeto -
se expande numa cor, torna visível,
até quase pode tocar-se, o seu som.
Eis aqui a armada invicta,
as guardas avançadas da palavra,
torres maiúsculas,
fortes capitães, que em batalha contínua, entrelaçados,
provocam desde há séculos todas as comoções,
ligeiras ou profundas,
do ser, do pensamento.
Pintura, poesia, caligrafia e música
- folhas, estrelas, flores - ei-las aqui, num só ramo.
O alfabeto é tudo.
Na caligrafia, exaltada, ressoa cada coisa.
Dum extremo ao outro,
percorre o mundo o lirismo do alfabeto. Escutai.
Todas as letras cantam nas antenas.

Rafael Alberti (Trad. Albano Martins)

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