22/06/13

18/02/13

WHAT A BIG WIDE WORLD

SSa
Said the sea to the little fish
“Oh your tail can really swish!”
Said the fish to the big blue sea
“Oh you take good care of me”
Said the moon to the shooting star
“How wonderful you are!”
Said the star to the silvery moon
“I will make your dreams come true”
Oh, it’s a big wide world
Oh, it’s a big wide world
Oh, it’s a big wide world
Oh, it’s a big wide world
Said the bear to the tall green tree
“Oh I love your tasty leaves!”
Said the tree to the cuddly bear
“You can always share with me”
Oh, it’s a big wide world
Oh, it’s a big wide world
Oh, it’s a big wide world
Oh, it’s a big wide world
Essie Jain, WHAT A BIG WIDE WORLD

02/09/11

18/07/11

"Sou lunar de duas sombrias luas"

Eu não penso, nem me queixo, nem discuto,
nem durmo.
Não desejo nem sol, nem lua, nem mar,
nem barco.

Não penso no calor que faz entre estas
paredes,
nem como o jardim está verde;
e esse presente, que tanto desejei,
já não o espero.

Não me anima nem a manhã, nem o eléctrico
o seu tilintar alegre,
vivo sem ver o dia, esquecendo-me, do tempo,
o ano e a hora.

Sobre uma corda estragada,
eu danço – pobre dançarina.
Sou a sombra de uma sombra. Sou lunar
de duas sombrias luas.

Marina Tsvétaïeva, in Anna Akhematova, Marina Tsvétaïeva, E cantou como canta a tempestade (trad. António Mega Ferreira), Selecção de poemas de Maria Medeiros, Ass+irio & Alvim, 2007



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No escritório

A lua observa-nos do lado de fora,
e repara em mim, pobre empregado,
a desfalecer sob o olhar implacável
do chefe.
Atrapalhado, coço o pescoço.
Nunca conheci um sol perdurável
em toda a minha vida.
A privação é a minha sina:
coçar o pescoço
sob o olhar do chefe.

A lua é a ferida da noite
e todas as estrelas são gotas de sangue.
A felicidade permanece muito longe de mim,
por isso a minha natureza é modesta.
A lua é a ferida da noite.


Robert Walser (Trad. Rui Manuel Amaral, com base na versão em castelhano de Matilde Sánchez e Guillermo Piro, editada no nº 61 do Diario de Poesía), retirado d' aqui.

17/07/11

cheiros que passam ao lado

"Este é o melhor cheiro do mundo, o da palha remexida, dos corpos sob a manta, dos bois que ruminam na manjedoura, o cheiro do frio que entra pelas frinchas do palheiro, talvez o cheiro da lua, toda a gente sabe que a noite tem outro cheiro quando faz luar, até um cego, incapaz de distinguir a noite do dia, dirá, Está luar, pensa-se que foi Santa Luzia a fazer o milagre e afinal é só uma questão de fungar, Sim senhores, que lindo o luar desta noite.

José Saramago, "Memorial do Convento"

09/07/11

“Há uns tempos li nos jornais que um grupo de professores encontrou por acaso um inquérito que foi enviado nos anos trinta a um certo número de escolas de todo o país. Incluía um questionário sobre quais os problemas mais graves que aconteciam nas escolas. E encontraram também os formulários de respostas, que tinham sido preenchidos e devolvidos dos quatro cantos do país. E os problemas mais graves que os professores apontavam eram coisas como conversar nas aulas e correr pelos corredores. Mascar pastilha elástica. Copiar os trabalhos de casa. Coisas desse género. Então eles policopiaram uma data de exemplares e enviaram-nos para as mesmas escolas. Passados quarenta anos. Bom, algum tempo depois receberam as respostas. Violações, fogo posto, homicídio. Drogas. Suicídios. E eu ponho-me a pensar nisto. Porque muitas das vezes que eu digo que o mundo está a ir direitinho para o Inferno ou alguma coisa do género, as pessoas limitam-se a fazer-me um sorriso e dizem-me que eu estou a ficar velho. Que este é um dos sintomas. Mas cá no meu entender, se alguém não vê a diferença entre violar e assassinar pessoas e mascar pastilha elástica é porque tem um problema muito mais grave do que o meu. Quarenta anos também não é assim tanto tempo. Talvez os próximos quarenta anos façam acordar algumas pessoas da anestesia em que caíram. Se não for demasiado tarde.”

Cormac Mccarthy, "Este país não é para velhos", relógio d'água

06/07/11

E isto basta...

# Vim ao mundo a tantos de tal, fui educado em tal sítio, fui para a escola como qualquer um, sou isto e aquilo, chamo-me fulano de tal e não penso muito. Do ponto de vista do género sou do sexo masculino, do ponto de vista do estado sou um bom cidadão e do ponto de vista social pertenço à melhor sociedade. Sou um membro impecável, pacato e amável da sociedade humana, um dos chamados bons cidadãos, gosto de beber o meu copo de cerveja sobriamente, e não penso muito. Assim, não é de espantar que de preferência coma bem e também não é de espantar que as ideias não se aproximem de mim. O pensamento arguto é-me completamente alheio.

## Não esforço particularmente a cabeça, deixo isso às outras pessoas. Quem esforça a cabeça torna-se odiado. Quem pensa muito tem fama de ser incómodo. Já Júlio César apontava o dedo grosso ao Cássio, esquelético e de olhos encovados, a quem temia porque suspeitava que ele tinha ideias na cabeça. Um bom cidadão não pode inspirar medo e suspeita. Pensar muito não é o seu ofício. Quem pensa muito torna-se mal amado e é inteiramente desnecessário ser mal amado. Ressonar e dormir é melhor do que ser poeta ou pensar. Vim ao mundo a tantos de tal, fui à escola em tal sítio, leio ocasionalmente o jornal, tenho a profissão tal e tal, tento tantos e tantos anos, pareço ser um bom cidadão e gostar de comer bem.

Robert Walser, Basta in O Passeiro e Outras Histórias (trad. Fernanda Gil Costa), Granito – Editores e Livreiros, 2001

Ubiquidade...

Vi-a em todas as linhas dos livros que li, desde a primeira vez que aqui vim quando era um rapazinho rude cujo coração tanto magoou então. Vi-a em todas as paisagens que contemplei, no rio, nas velas dos navios, nos lameiros, nas nuvens, na luz, na escuridão, no vento, nos bosques, no mar, nas ruas.

Charles Dickens, Grandes Esperanças (trad. Carmen Gonzalez), Publicações Europa América, 1975

18/06/11

VIAGENS DAS PALAVRAS

As palavras têm moda. Quando acaba a moda para umas começa a moda para outras. As que se vão embora voltam depois. Voltam sempre, e mudadas de cada vez. De cada vez mais viajadas.
Depois dizem-nos adeus e ainda voltam depois de nos terem dito adeus. Enfim – toda essa “tournée” maravilhosa que nos põe a cabeça em água até ao dia em que já somos nós quem dá corda às palavras para elas estarem a dançar.

José de Almada Negreiros, A INVENÇÃO DO DIA CLARO, Guimarães, 2010

AS PALAVRAS

O preço de uma pessoa vê-se na maneira como gosta de usar as palavras.
Lê-se nos olhos das pessoas. As palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos olhos de cada um.


José de Almada Negreiros, A INVENÇÃO DO DIA CLARO, Guimarães, 2010

O LIVRO

# Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria.
Deve certamente haver outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido.

## Comprei um livro de filosofia. Filosofia é a ciência que trata da vida; era justamente do que eu necessitava - pôr ciência na minha vida.
Li o livro de filosofia, não ganhei nada, Mãe! não ganhei nada.
Disseram-me que era necessário estar já iniciado, ora eu só tenho uma iniciação, é esta de ter sido posto neste mundo à imagem e semelhança de Deus. Não basta?
Imaginava eu que havia tratados da vida das pessoas, como há tratados da vida das plantas, com tudo tão bem explicado, assim parecido com o tratamento que há para os animais domésticos, não é? Como os cavalos tão bem feitos que há!
Imaginava eu que havia um livro para as pessoas, como há hóstias para cuidar da febre. Um livro com tanta certeza como uma hóstia. Um livro pequenino, com duas páginas, como uma hóstia. Um livro que dissesse tudo, claro e depressa, como um cartaz, com a morada e o dia.

José de Almada Negreiros, A INVENÇÃO DO DIA CLARO, Guimarães, 2010

11/06/11

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!

Mário Quintana,
d'aqui

09/06/11

Quem és tu...

Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?

A perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.

A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.

Sophia de Mello Breyner Andresen, d'aqui

03/03/11

Pequeno poema

Em ti amadurece a vida como um vinho
Obscuro e raro...

Que mais queres?

Cristovam Pavia, Poesia, D. Quixote (2010)

15/02/11

Elogio da Língua

"A Eufémia Troncha catava-o, fingia estalinhos insecticidas, fazia-lhe com a unha titilações, atritos suaves no casco da coroa , inventava para o nutrir e inflamar carícias e guisados, surpreendia-lhe o apetite com fricassés muito aromáticos, tinha meiguices e candonguices duma donzela que afaga pombinhos entre os seios virginais, decotava o corpete dos vestidos para lhe escaldar o sangue, fazia trejeitos lascivos de gata que se rebola escandecida nos telhados - uma cróia velha com muita experiência sublinhada. Ao príncipio, o abade agradecia com mocanquices, correspondia-lhe com exuberância de abraços, adormentava a sua dor abeberado das saudades de Felícia, e, às vezes, repulsando uma ideia funesta, murmurava: "Que a leve o diabo! que a leve o diabo!" e agarrava-se ao pescoço nédio de Eufémia como a uma forte prancha de nau descosida e escalavrada. E ela:
- Meu idolatrado . . .
E babujava-lhe de beijos húmidos a cara espaçosa."


Camilo Castelo Branco, "A Corja", Europa-América

10/10/10

"Por entre algas, búzios mortos e esqueletos de navios"

«Às vezes não te compreendo bem.»
«Sou uma ilha pequena, Paula.» Sim, uma ilha pequena, sem arquipélago, e à volta o oceano desconhecido e um nevoeiro tão denso que não deixava ver os barcos, se os havia. Mas era natural que os houvesse. Há sempre barcos em volta das ilhas. Estivera um dia numa ilha assim…
A voz de Paula ria na sua sala, no seu divã. «Todos o somos, não és original.»
«Mas eu sou aquela ilha.»
Pequena e com praias de cascalho, não muito belas, e voltadas para oriente. O sol abandonava-as a meio da tarde e então fazia frio e a água ainda há pouco morna e confortável tornava-se gélida, matéria opaca, cheia de vida, de morte e de mistérios. Só havia uma coisa a fazer, subir, subir à procura de um resto de sol. Mas do lado ocidental era o reino das gaivotas e dos rochedos a pique. Coisas só para olhar. Ruídos que eram silêncio. E acabava sempre por regressar à tenda onde estava acampada com uns amigos. Cansada. Farta. A querer ir-se embora e sem partir.
«Mas a tua vida é que é uma ilha, não tu.»
«Sim, a minha vida», concordou Jô. «Mas o que sou eu sem a minha vida, o que somos nós sem ela?»
«Bem, é tarde, vou deitar-me», disse Paula. «E o teu caso, na mesma?»


Maria Judite de Carvalho, Paisagem Sem Barcos, Publicações Europa- América, 1990

20/09/10

historinha para pêzito

"Não sabemos quando aconteceu a história da boneca. Tinha encontrado uma menina que chorava e soluçava desesperadamente, porque tinha perdido a boneca. Kafka confortou-a: "Eu sei que a tua boneca anda em viagem; acabo de receber uma carta dela." A menina estava cheia de dúvidas: "Tem-na contigo?" - "Não, deixei-a em casa, mas amanhã trago-ta."Kafka voltou logo a casa para escrever a carta. Sentou-se à secretária e começou a compô-la como se tivesse de escrever um conto, libertando o grande jogo dickensiano de calor e fantasia que sempre o habitara. No dia seguinte, foi ao parque, onde a menina o esperava. Leu-lhe a carta em voz alta. Naquelas folhas - provavelmente tão intermináveis como as escritas a Felice - a boneca explicava com gentileza que estava farta de viver sempre na mesma família: queria mudar de ares, conhecer novas cidades, outros países, deixar a menina por uns tempos, embora lhe quisesse muito bem. Prometia escrever todos os dias com a descrição minuciosa das suas viagens. Assim, por algum tempo, à luz do candeeiro a petróleo, Kafka descreveu países que nunca tinha visitado, contou aventuras dramáticas mas de final feliz, e levou a boneca à escola, onde fez novas amigas. A boneca garantia sempre à menina que gostava dela, aludindo no entanto às complicações da sua vida e a outros deveres e interesses. Passados poucos dias, a menina já tinha esquecido a perda e só a ficção lhe interessava. O jogo durou pelo menos três semanas. Kafka não sabia como acabá-lo. Pensou, voltou a pensar, procurou muito tempo, discutiu com Dora, e finalmente decidiu casar a boneca. Descreveu o jovem noivo, as bodas, os preparativos de casamento, a casa do casal. "Deves perceber", concluía a boneca, "que de futuro temos que renunciar a ver-nos".

Pietro Citati, "Kafka", Cotovia