02/04/09

abre as asas e fala...



Fala deixa cair uma palavra
Bons-dias dormi todo o Inverno e agora desperto
Fala
Uma piroga desliza em direcção à luz
Uma palavra veloz avança a toda a vela
O dia tem forma de rio
Em suas represas brilham as plumas de teus cantos
Doçura da água na erva adormecida
Água clara vogais para beber
Vogais para adornar uma fronte uns tornozelos
Fala
Atinge o cume dum momento de júbilo
E logo abre as asas e fala sem cessar
Passa um rosto esquecido
Passas tu própria com teu andar de vento num campo de milho
A infância com suas flechas e seu ídolo e sua figueira
Desata as amarras e passa com a torre e o jardim
Passa o futuro e o passado
Horas já vividas e horas por viver
Passam relâmpagos que levam no bico pedaços de tempo ainda vivos
E escrevem teu nome nas costas nuas do espelho!
Fala
Molha os lábios na água que da pedra inesgotavelmente brota
Submerge teus brancos braços na água grávida de profecias iminentes


Octavio Paz, Antologia Poética, in Manancial (org. e trad. Luís Pignatelli), Publicações Dom Quixote

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