18/04/09

Olha. A lua e as folhas escuras.

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- Que disseste?
- Não disse nada.
- Não disseste nada. Não. Mas voltaste ao mesmo.
- Ao mesmo? – disse Mark.
- Voltaste ao mesmo.
- São quatro horas. Estou cansado.
- O que fazes quando estás cansado, vais-te deitar?
- Exacto.
- Dormes como uma pedra.
- Claro.
- Que fazes quando acordas?
- Passo o dia a andar.
- Olhas para onde vais?
- Vou onde for.
- Gostava de te perguntar uma coisa – disse Len.
- Sem dúvida.
- Estás preparado para responder a uma pergunta?
- Não.
- Mas dizes que não fazes perguntas. Se não respondes e não perguntas, que é que fazes?
- Passo o dia a andar.
- E dormes como uma pedra.
- Exacto.
- Que fazes durante o dia quando não estás a andar?
- É essa a pergunta?
- Hã?
- Que pergunta?
- Continua.
- Não é a pergunta que te ia fazer.
- E qual é?
- É outra coisa.
- É tudo outra coisa.
- Vá, deixa-te disso.
- Está bem. Continua – disse Mark.
Len levantou-se.
- Que queres dizer com continua? – disse ele. – Fiz-te uma pergunta e tu não respondeste.
- E qual era a pergunta?
- O que fazes durante o dia quando não estás a andar?
- Descanso.
- Onde é que encontras sítio para descansar?
- Aqui e ali.
- Por mútuo consentimento?
- Invariavelmente.
- Mas não és exigente?
- Sou, sou exigente.


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- Diz-me, cá.
- Sim?
- És capaz de correr na neve sem deixar pegadas?
- Acho que sim.
- Deves ser capaz disso, eu sei.
- Acho que conseguia.
- Tens a certeza?
- Achas que não conseguia?
- Acho que conseguias.
- Desde o princípio que o sabias.
- Soube-o desde o princípio – disse ele. – Está aí nos teus olhos.
- Sempre aí esteve?
- Sempre. E no teu corpo.
- Esteve sempre no meu corpo?
- Sim, sempre.
- No teu corpo também - disse ela.
- A sério?
- Sim.
- O teu corpo – disse ele. – Sempre esteve em todo o teu corpo.
- Sempre.
- Nunca vi as tuas pernas, acima do joelho.
- Pois não.
- Levanta a saia.
- Hum?
- Levanta a saia.
- Assim?
- Sim. Continua.
- Assim?
- Deixa-a.
- Assim?


Harold Pinter, Os anões (trad. José Lima), Dom Quixote

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